Lagoa Henriques: Eu e a minha casa é o livro que Lagoa Henriques [Lisboa, 1923-2009] não pôde acabar de escrever e se conclui agora, no compromisso entre a memória das lições de um pedagogo inesquecível e o encontro paciente com os seus programas de televisão, com a visitação da sua obra artística, com os registos do acontecer da escultura e do desenho nos segredos metamórficos do seu atelier, com as muitas palavras que disseminou por diários gráficos, cartões de convite, papéis avulso, conferências, conversas e entrevistas, em todos eles celebrando o mistério das pequenas dádivas de um quotidiano onde a morte tranquilamente se anuncia. Mas também com os sedutores enigmas da sua casa interminável e o sonho, brevemente concretizado e logo interrompido, de uma casa-museu com o seu nome. É por isso que este livro, fundamentalmente escrito na primeira pessoa, se poderá ler como a última lição de Lagoa Henriques, livre das revisões bibliográficas e da erudição dos comentários que disciplinam a originalidade, inscrevendo-a em longas cadeias de comparadas filiações. Lição ainda, por ser, como todas as outras de Lagoa Henriques, tão inseparável de si que não seria possível abreviá-la fora dos textos e das imagens ù fora da relação palavra/imagem, como ele tantas vezes a designou ù que partilham o argumento único de uma vida e de uma obra na singularidade do espaço que as torna indiscerníveis. Desaparecidos o homem e a sua casa, o livro é o modo possível de os trazer de novo à presença dos seus amigos e dos seus contemporâneos, como ele interlocutores da época histórica em que viveu, alguns deles testemunhas privilegiadas do convívio despretensioso e apaixonado com tudo o que se lhe oferecia aos sentidos e à curiosidade insaciável da sua cultura humanista, vivida e ensinada com a liberdade dos homens livres que, com as suas qualidades e os seus defeitos, são tão inteiros em tudo o que fazem que se podem dispensar a vaidade de se levarem a sério.