Num mundo como o nosso actual, o seu funcionamento incorpora (e, quiçá, cultiva) os automatismos do não-pensar, os vazios de comunicação inter-subjectiva, a implantação pandémica do nada expresso, por exemplo, por via da militarização do léxico essencial das nossas línguas, das consciências e das subjectividades, uma militarização ao serviço da recorrente tentação da distopia, da sedução do niilismo, da incultura pedagógica - reinante hoje em dia - que, ora armazena os indivíduos, doravante tidos como pouco rentáveis ao passo que fabrica outros, doravante tidos como os futuros perpetuadores de um modelo societal destrutivo. ¶¶ Acordei viciado em luz. Adormeci quando, à tarde, a luz se tornou concavidade e cinza. À noite, o meu vício inicial desapareceu por trás de esquadrões de muros e arame. Então, ao andar em discretos círculos no meu quarto, decidi amar o que a escuridão apagara: esta fragilidade fugaz, este dia intempestivo da vida, este relógio roto do coração, esta caruma pisada. Por fim, cheguei à meia-noite em estado de êxtase quedo. E a luz encheu o espaço e o momento com a sua alma esfarrapada. E senti-me finalmente em casa.