Em 25 contos, Portugal e essa coisa actualmente incompreensível de ser português - e gostar ainda de sê-lo - são desfiados e desvendados perante o olhar do leitor. Provavelmente, não terá surgido, nas últimas décadas, na literatura portuguesa nenhuma outra obra onde os múltiplos, díspares e incoerentes traços que enformam a roupa de um luso surjam tão bem entrelaçados como em Da terra e da água, de José Manhente. Lá temos a farpela com que se faz o carácter de um português vendilhão do templo, do migrante dividido entre duas pertenças, do poeta falhado mas sempre iludido, do suicida (e do suicídio) do interior, do herói anónimo, do excêntrico amante de livros numa terra de seguidores das anglo-saxonices, dos/das seculares anikis bobós que se banham no rio interdito, do patrão cru e ignaro que sonha ainda com escravos, do soldado sem guerra e que a faz contra si próprioà E há o magistral duo avô-neto alentejanos que, tal como os autênticos antepassados, ainda sabem ver o verdadeiro valor de uma moedaà mais do que aqueles que a trocaram pelo diabólico e castrador euro. Poderá haver prova maior de que o que vem de lá de fora foi o que sempre nos cerceou as pernas?... Nem a pimenta da Índia nem o euro dos teutónicos alguma vez fizeram bem a um país que tanto é de água como de terraà