Um velho ébrio com quem se cruzou ao deambular uma noite por ruas de Alfama trazia consigo um carrinho de lata que o narrador acabou por ter de admitir ser um velho brinquedo da sua infância, há muito perdido. Este encontro com uma reminiscência do passado acordou nele um jorrar de recordações que julgava perdidas e que desde logo sentiu uma irreprimível necessidade de revisitar, como se fosse imperioso apoderar-se desses tempos passados para os entender e domar, assim se resgatando. E na sua bicicleta, que era verde e voava, percorreu os caminhos dos seus primeiros anos, ora trambolhando pelo abismo metafórico das "pistas", penedos lisos e escorregadios onde só por acaso nunca caiu, ora voando sobre tudo e todos, mesmo sobre si próprio, num deleite de observador invisível e leve. Vão-se sucedendo os recantos da sua Casa da Fonte, lugar mítico de toda a família, mas também as ruas e os lugares, as paisagens e as pessoas de Oliveira do Hospital que ao longo dos anos o marcaram. Os "sons e odores e cores e medos e ousadias que me remetem para esta terra onde não nasci, mas que é minha par conditio". Por fim, a misteriosa taça de cristal encontrada num armário revela-nos que esta vontade de redenção e de busca de um sentido para a existência, lançando amarras que nos liguem ao passado e nos prendam ao futuro, é afinal recorrente, acontecendo em todas as gerações.