"""Agora sei que dizer de nós é sempre o mais difícil porque somos o que somos e os outros, e somos ainda tudo o resto: as coisas, pedras árvores animais. Somos as flores a certa altura, e depois frutos. Somos raízes profundas que na terra buscam alimento e à terra se entregam como paga um dia. Somos toda a gente e o mundo. Agora eu sei que dizermos de nós é sempre o mais difícil, nós de nós pouco temos: nem aquilo que o espelho nos revela somos nós. Tantas vezes olhamos e não nos reconhecemos tantas vezes olhamos e não vemos lá nada: o espelho ilude os olhos, não o coração, é mais um labirinto onde os olhos perdemos. Era bom que ao menos a mão ao escrever estas linhas discernisse o que somos afinal. Era bom que a mão nos conhecesse. Toda a vida ensinámos os dedos que nos identificam, lhes demos a afagar a folha de papel, a pele de uma mulher o seio rijo. Mas dizer de nós é o mais difícil."""