Os grandes artistas não deixam esquecer os lugares onde o seu olhar os levou. A lembrança desses lugares fica para sempre na sua obra e naqueles que a vêem. Maria Helena Vieira da Silva pintou um quadro a que chamou Ville ou Porto. Esta exposição dá a esse quadro o lugar que lhe permite coincidir consigo-mesmo. Na viagem que é a sua pintura, Vieira da Silva é a heroína «de mil estratagemas, que tanto vagueou, depois de ter destruído a acrópole sagrada de Tróia, que viu cidades e conheceu costumes de tantos homens e que no mar padeceu mil tormentos, quando lutava pela vida e pelo regresso» (Odisseia). Diferentemente de Penélope, foi ela quem andou pelos mares, rodeada de medos e de monstros, ora impelida ora impedida pelos deuses, enquanto Arpad, ao contrário de Ulisses, ficava em Ítaca, fazendo e desfazendo a sua espera. Esta Vieira era aquela de quem Agustina Bessa-Luís, sua amiga, afirmou que «era tímida na grandeza para não ser vulgar no orgulho». Esta Vieira era aquela de quem Cesariny, seu amigo, disse: «Há na obra de Vieira algo que gosto de aparentar aos poderes do xamã». Esta Vieira era a dos olhos muito abertos que se atiravam às coisas, pronta a devorar o mundo: «Tudo me espanta. Pinto o meu espanto, que é ao mesmo tempo maravilha, terror, riso». [José Manuel dos Santos, Director Cultural da Fundação EDP]