Curt Meyer-Clason não precisa de apresentações em Portugal. A sua acção cultural, no sentido mais amplo do termo, durante os sete anos em que dirigiu o Instituto Alemão de Lisboa, constitui credencial suficiente para quem, nesta cidade e neste país, está minimamente atento ao que se passa à sua volta. [à] Ao longo das suas 400 páginas o discurso flui, variado e vivo, cheio de nuances e de uma invulgar capacidade de observação de pessoas e de factos, que nunca valem por si, mas sempre por aquilo que revelam de uma situação existencial, política e cultural. É uma crónica literária de um dia a dia cheio de revelações e descobertas, em que as mais pequenas coisas, mesmo a conversa aparentemente mais estéril ou o mais seco papel oficial, se transformam num meio de chegar às mais recônditas e por vezes insuspeitadas formas de pensar e agir de dois povos e de dois mundos, entre os quais Meyer-Clason se situa. Situação nada cómoda para quem, desde que pôs pé neste país, procurou agir à margem de (entenda-se: quase sempre contra) receios diplomáticos, intereses económicos e estratégias políticas, e assim transformar o seu Instituto num dos mais vivos e abertos fóruns culturais de Lisboa, uma Cidade antes entorpecida e reprimida, e depois um pouco perdida na doce anarquia dos primeiros tempos da Revolução. [João Barrento ù Diário de Notícias, 2.º caderno/Cultura, 4 de Setembro de 1980]