Este excelente trabalho, que teve como foco inicial o estudo de O cortiço, de Aluísio Azevedo, é verdadeiramente inovador, no sentido forte da expressão.Produto original de uma tese de doutorado, defendida na USP, pouco tem, ou quase nada, dos cacoetes comuns em trabalhos universitários de crítica literária: vai muito além de crítica literária, que, aliás, também é.Pode-se dizer que o leitor tem diante dos olhos a discussão, uma nova discussão, de história literária brasileira e internacional dos fins do século 19. Há também uma ótima história das ideias do período, abrangendo o nacional e o internacional, em suas múltiplas e complexas relações e cruzamentos, até hoje pouco estudados e menos ainda conhecidos.A retomada das questões que, de fato, envolvem o naturalismo, por aqui e alhures, talvez pareça, aos desavisados, algo arcaico e sem forças. Porém, logo que o país superar o pesadelo, de barbárie aberta, que se pode chamar, pelas evidências disponíveis, de psicopata, paranoica e necrófila, que nos assombra, tudo parecerá muito diferente do clima boçal e ignaro, que está por aí.O naturalismo sem o peso dos preconceitos e moralismo idiotas, que o envolveu desde suas origens, vai ganhar conteúdo civilizatório e vivo, o que permite pensar a formação social e intelectual do Brasil.Bastante lembrar que a preta Bertoleza, escrava enganada e explorada até os ossos pelo português-brasileiro João Romão, ganha neste estudo um estatuto novo, conforme requer o romance de Aluísio, e nos chega à boca de cena. Enfim, o leitor deste livro de Haroldo Ceravolo Sereza fará também um percurso novo, criativo e libertário na compreensão do Brasil. A boa literatura, e seu melhor estudo, são especialmente isso.